A Hipocrisia Velada de “Ainda Estou Aqui”

Por Zé da Flauta

“Ainda Estou Aqui” se apresenta como um drama denso e sensível sobre repressão, ditadura, exílio, prisão, tortura e morte, mas a obra é, no fundo, um reflexo perturbador da hipocrisia que permeia nosso tempo. Como é possível que um filme que critica esses horrores seja exibido e enaltecido pela mídia, enquanto vivemos exatamente o que ele supostamente condena? A realidade atual do Brasil, marcada por presos políticos, tortura e até mortes em presídios, é um tapa na cara da narrativa que o longa tenta construir.

Hipocrisia

O caso de Clezão, que morreu na prisão após um ano e meio encarcerado por simplesmente estar em Brasília no dia 8 de janeiro, é emblemático. Como conciliar a mensagem de liberdade e justiça do filme com o silêncio ensurdecedor sobre histórias reais como a dele? É no mínimo curioso que um filme pretensamente crítico seja celebrado num contexto em que a censura e a repressão têm sido institucionalizadas. A hipocrisia aqui não é apenas visível, é gritante.

Maquiagem

Não se pode ignorar o talento da atriz Fernanda Torres, cuja performance é, sem dúvida, digna de aplausos. No entanto, o “Globo de Ouro” que ela ganhou levanta questões incômodas. Seria essa premiação mais um passo de um jogo de influência patrocinado por interesses que visam desviar a atenção do que realmente está acontecendo no Brasil? A suspeita de que o prêmio tenha sido adquirido de forma questionável ganha força diante do apoio massivo e estratégico de uma mídia que insiste em maquiar a realidade.

Contradição

A maior ironia, no entanto, está na origem política do grupo que produziu o filme. Este mesmo grupo que, durante o regime militar, clamava por “anistia ampla, geral e irrestrita”, agora ergue a bandeira de ” sem anistia para os golpistas “. A mudança de discurso expõe uma contradição que não pode ser ignorada. Onde está a coerência? Será que a justiça e os direitos humanos são valores universais ou apenas ferramentas políticas usadas conforme a conveniência?

Cinismo

“Ainda Estou Aqui” tenta ser uma denúncia, mas acaba sendo um reflexo do que mais condena: o uso da narrativa para mascarar interesses políticos. É um filme que poderia ser relevante, mas que, sob o prisma das circunstâncias atuais, dói no coração de qualquer pessoa lúcida. É uma obra que, em vez de despertar reflexão, deixa um gosto amargo de cinismo.

Até a próxima!

Zé da Flauta é produtor musical, músico profissional, tocou por vários anos com Alceu Valença. Foi secretário de Cultura da cidade de Recife. Escritor e colunista de opinião na V&R.

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